sábado, 23 de fevereiro de 2008
exposição Mulheres do Mundo - parte1
(crônica sobre a reportagem Mulheres do Mundo, televisionada dia 15/02/2008)
Nos últimos meses tem sido comum eu almoçar em casa sozinho, enquanto o resto da família está viajando ou trabalhando. Após o almoço, para descansar o peso da comida requentada, lavo a louça enquanto escuto notícias do tele-jornal, que do outro lado do cômodo, longe da vista, piscam em pequenos flashes.
Ainda mais comum, tem sido minha indiferença às notícias, repetidas demais para merecerem um olhar, mesmo que de canto de olho. Porém, hoje foi diferente...
Mal começara a organizar a louça suja, quando percebi que a voz da âncora do tele-jornal passava para um tom de 'coisa séria e importante'. Meus olhos - naquele momento perdidos entre duas pias de alumínio, pratos de vidro escuro, copos de requeijão e talheres com cabo de plástico - não se animariam a levar-me para perto da televisão, caso meus ouvidos não tivessem captado palavras como: olhar... exposição... telas... vídeos... fotos... enfim, palavras que falam de imagens (1).
Virei-me com olhar fixo, poucos passos, até ficar bem próximo da tela de raios catódicos. E com essa fixação, escaneei cada pixel das imagens que compunham a abertura (2) da reportagem: uma miscelânea de fotos, imagens, desenhos, vídeos, palavras, nomes, enfim, imagens.
Com a abertura, iniciou-se a narração de Sônia Brid, com voz suave e descritiva. Procurei atentar para informações e as obtive: LOCAL, ARTISTA, TEMÁTICA... porém, o que me marcou meus olhos naquele dia, foi uma fotografia.
Não pude conter o choro ao ver (e ouvir) a foto (e relato) da mulher (refugiada e ex-enfermeira), retratada (e registrada e desenhada) por Titouan Lamazou; a mulher que posa sobre o deserto e que diante das perdas causadas pela pela guerra civil só pôde "dizer que acha que, agora, (ela) não é nada"(3). Naquele instante, me senti em ruínas.
(continua...)
(1) As palavras podem nos levar até as imagens, podem nos fazer ver. Mas as imagens, por outro lado, podem nos cegar. Penso no escritor argentino Jorge Luis Borges quando escrevo essa frase.
(2) É raro ver uma reportagem isolada, de tele-jornal, com abertura. Geralmente, apenas as séries de reportagens especiais recebem um motion graphic de abertura - uma marca de apresentação e identificação, enfim, motion Design que sinaliza essa repetição em série. Suspeito que essa abertura solitária abre a compossibilidade (Leibniz) de que possam ser feitas outras matérias como continuação dessa primeira. Da mesma forma, penso que minhas postagens visam continuar essa poética do olhar que se emociona em uma reportagem - um olhar que fala de seu cotidiano óptico-contemporâneo.
(3) Leiam a matéria de James Traub que trata sobre A Difícil Realidade dos Refugiados do Sudão.
danpiantino
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