gravação-registro - danpiantino
Que estranha experiência, essa de entrar em um lugar que é ícone. Falo isso porque, apesar de morar à mais de seis anos na praia do Campeche, eu nunca havia ido na Ilha do Campeche... que fica bem ali, de frente para a praia! Não por acaso é um lugar protegido pelo IPHAN, desde 2000, como patrimônio histórico e ecológico nacional (mais informações ler reportagem ANOTÍCIA). Além disso, a Ilha é um cartão postal da praia do Campeche, ícone da ilha de Santa Catarina (por ser uma ilha anexada a outra ilha, ao alcance dos olhos dos banhistas). E, como já comentei, depois de observá-la à distância por muitos verões, eu estive lá pela primeira vez nessa segunda-feira.
Absurdo? Comodismo? penso que não. Ser morador de uma cidade turística, nos coloca em uma posição diferente daquela experimentada pelos turistas. Penso mesmo que, o nosso olhar, adquire outro tempo de foco e apreensão. Entre o desejo de estar na praia ou visitar lugares novos e a manutenção da rotina, os ícones turísticos se inscrevem dentro do cotidiano, para lá, somarem-se à outras imagens. Com isso quero dizer que, os ícones turísticos, são imagens de fácil disseminação e troca, formam assim, uma malha de ícones permutáveis e propagáveis dentro de uma economia da memória turística (surtei de vez!...). E às vezes, nos contentamos em tê-las como simples imagens, não vemos a necessidade de vê-las de dentro.
Foi assim que aconteceu: eu, e um amigo de Curitiba, chegamos cedo à Praia da Armação para pegar um barco que nos levasse à ilha do Campeche. Fomos os primeiros, e só depois de uma hora chegaram turistas suficientes para encher um barco. A grande surpresa foi ao chegar na ilha... A monitora, com um 'claro' sotaque castellano, perguntou quantos falavam português (???) adivinhem: só eu e o Leandro (ele sim, o único turista brasileiro) levantamos a mão!!!
Constatada a maioria de argentinos, ela passou a falar em castellano e eu entendendo tudo, bem feliz, achando que meu ouvido estivesse bom para o castellano... só depois fui descobrir que ela estava falando quase um portunhol... que decepção...
No barco, foi a mesma coisa, os barqueiros (membros da Associação de pescadores da Armação) falavam em portunhol... Mira! Mira!
Bem, no final das contas eu me senti em uma ilha argentina, só que com os olhos invertidos: na beira da água podia ver a praia que eu costumo caminhar durante o ano (junto com as torres de celular que indicam a rua onde moro). De lá, desse território onde o estrangeiro era eu, pude ver meu bairro como simples imagem, minha casa como cartão postal. Me deleitei com a satisfação de ser um olho deslocado, de poder fazer minha solitária 'economia' de imagens (como troca de valor).
Observei à minha volta, por toda ilha, muitos hermanos e hermanas, com cabelos despojadamente cortados. Eles aproveitavam cada pedaço do paraíso, com olhos de desejo e intensidade de criança pequena (porque só com muita empolgação pra entrar naquela água gelada). E no final, só fiquei com medo de precisar apresentar um visto para voltar para casa...
danpiantino
4 comentários:
ADOREIIIIIIIIII!!!
Acho que foi o meu post preferido!
Eu vivo pensando nisso, né...e tb vivo falando que sou turista na cidade onde eu moro,pq quando vou pra Sampa, não fico de turista tirando foto na Av. Paulista... e todo verão, que vou no centro e fico vendo aquele bando de argentino, olhando, olhando, eu fico sempe pensando nisso...no que é morar numa cidade turística.
Ah, então...e eu nunca fui na Ilha do Campeche, sendo que é a MINHA praia! Minha prefrida aqui em Floripa...ai, ai...nem fui na praia ainda...
Não lembro se já te falei isso mas, "ser global é ser local". Isso quer dizer que ser 'provinciano', no final das contas, é ficar olhando sempre para fora e ser incapaz de enxergar que o mundo todo está acontecendo aqui: os conflitos, os efeitos das inovações, as tendências, as resistências às tendências.
Nosso blog não fala de Floripa, mas relata nosso cotidiano de designers florianopolitanos; de quase-estrangeiros; de observadores do mundo que se reflete em cada pequena imagem do cotidiano.
Ótimo saber que você também observa o cotidiano a partir dessa condição de turistas-residentes que somos nesta cidade turística. Penso que temos que nos destravar desse medo de expressar os choques culturais da nossa cidade e assumir que estamos meio deslocados aqui (sendo quase-turistas ou não, quase nativos ou não). valeu!
danpiantino
eu, que fiz parte da história relatada por dan, confesso que fiquei surpreso em me sentir umestrangeiro dentro do meu próprio país. creio que a última vez que isso aconteceu faz mais de 10 anos atrás quando e minha família e eu passávamos nossas férias em balneário camboriú. lá sim não era apenas uma ilha de argentinos mas toda uma cidade, que tinha como língua oficial o castellano e moedas o peso e o dólar (reflexo da economia argentina que naquele tempo era dolarizada). nas ruas, o português era tão facilmente escutado como o tcheco nas rua xv de curitiba; ao entrar numa loja era aconselhável estar com uma calculadora a postos para fazer a conversão monetária para o nosso saudoso cruzeiro. de lá para cá foi criado o real (o que espantou os argentinos uma vez que no princípio o real e o dólar eram equiparados em valor); depois, com a queda das bolsas asiáticas, nossa moeda enfrentrou um tsunami que arrasou com nossa economia e trouxe nossos hermanos novamente. No começo deste milênio a argentina entrou em crise após o plano conônomico intitulado cavalo, com isso espantou-se novamente o povo castellano das terras catarinenses. Depois de um sofrível período de crise econômica a argentina está se reerguendo comtemplamos o volver de los hermanos. Assim os anos passam e os argentinos são levados e trazidos pela maré das instáveis economias sul-americanas. E a propósito a recíproca é verdadeira, havendo até portenho rebatizando de Brasiloche a famosa cidade argentina das estações de esqui.
p.s.: esse é um blog que discute design mas não sei pq fui ousar entrar em mares nunca dantes navegados ao discutir economia, ainda mais pq minha formação é de design gráfico.
Mas Leandro, você não discutiu economia como um economista, você relatou e resumiu a recente história do turismo argentino no Brasil, que sempre esteve atrelado as oscilações (porque não dizer crises) monetárias...
Aliás, eu chego a falar de uma "economia da memória turística" na minha postagem. Isso porque, o olhar do turista e dos nativos estabelecem trocas de valores culturais, logo economia!
Os monumentos, os pontos turísticos, todos esses 'lugares para se ver e registrar' passam a ter seu preço em uma cidade turística. Mas, não só o dinheiro circula, o próprio olhar se desloca na presença do estrangeiro. Por isso, os papéis (estrangeiro e nativo) podem se inverter, como na nossa ida à Ilha do Campeche!
"Minha casa como cartão-postal" eu escrevi"...
Cara, valeu por completar minha postagem falando das oscilações turístico-monetárias do Brasil e da Argentina. E mais uma vez obrigado por ter me chamado para ir na Ilha do Campeche, e principalmente, por ter me tirado da rotina! A experiência de olhar minha casa de dentro de um lugar que é ícone foi fantástica, digna de um conto borgeano!
Até a próxima,
danpiantino.
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